O AMOR QUE VEM DAS ÁGUAS

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Existe uma força brilhante que opera em todas as leis do universo, sem a qual nada, na existência humana, teria sentido: o amor. Como já dizia o conceituado cientista Albert Einstein, “o amor é gravidade, porque faz com que as pessoas sintam-se atraídas umas pelas outras”. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Fénelon (1861) descreve no Evangelho Segundo o Espiritismo que o amor é essência divina, está presente em tudo e em todos. Desde o mais elevado até o mais vil dos seres possui, em sua essência, a centelha do puro amor. Fénelon (1861) ainda chama a atenção para o fato de que mesmo o mais criminoso dos homens tem afeição por algo ou alguém, seja pelo dinheiro, pela família ou, por exemplo, pelos companheiros de crime. Tal afeição, se bem trabalhada, transforma-se em amor e é por essa via que as pessoas evoluem.

Sendo o amor uma energia de tamanha magnitude, falemos de uma face desse amor, aquele amor que vem das águas. Na Umbanda cultuamos os Orixás (energias universais co-criadoras do universo) e, como já elucidado em outras edições desse jornal, há tantos Orixás quanto a quantidade de matéria existente no Universo. Os Orixás são basicamente frequências energéticas que deram origem a tudo. Cachoeiras, mares e pântanos possuem frequências energéticas específicas às quais damos o nome de Oxum, Yemanjá e Nanã, respectivamente. Esses três orixás regem as águas.

Oxum rege as águas doces, seu ponto de força na natureza são as cachoeiras. Esse orixá rege o Amor Próprio. Não é à toa que Oxum carrega um espelho em suas mãos, afinal, em seu reflexo, Oxum vê toda a sua beleza, consequentemente, vê todo o universo refletido em si: à imagem e semelhança de Deus. Muitos confundem a energia do Amor Próprio de Oxum com vaidade. Oxum não representa vaidade, Oxum representa graciosidade. Vaidade remete à gente egocêntrica, narcisista. Oxum não é assim, pelo contrário, Oxum vibra na frequência da gentileza, elegância e compaixão. Oxum cria empatia por todos os seres que compartilham suas vidas com ela. Sofre com o sofrimento alheio, pois vê no outro o reflexo de si mesma, daí vem a sua fama de “Mamãe”,  pois uma de suas maiores virtudes é a compaixão por seus filhos. É por meio de seu grande amor por si mesma que Oxum tem forças para amar ao seu próximo. Como já diz o maior mandamento deixado por nosso Senhor Jesus: ame a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. Como você amará ao seu próximo se não tiver amor por si próprio?

Vamos ao segundo Orixá, Yemanjá. Yemanjá rege as águas salgadas, seu ponto de força na natureza é o mar. Esse Orixá fala sobre o Amor Livre, desapegado.  Não é à toa que a imagem que representa Yemanjá aparece com os braços estendidos e com as mãos abertas. Yemanjá não tem apegos, sabe que o amor deve ser cultivado com liberdade. Vemos muitos conflitos desse tipo de amor nos casais de enamorados, pois, quando se fala em relacionamentos, deparamo-nos com duas manifestações totalmente diferentes de sentimentos e que acabamos encarando como um só: o amor e o apego. Yemanjá é quem nos ensina a diferenciá-los. A monja tibetana Tenzin Palmo caracteriza esses dois tipos de sentimentos (amor e apego) como “amor genuíno” e “amor romântico”. Para ela, o amor romântico é aquele que diz: “eu te amo e, por isso, quero que VOCÊ ME FAÇA feliz”. Já o amor genuíno é aquele que diz: “eu te amo e, por isso, quero que VOCÊ SEJA feliz, mesmo que isso não me inclua”. Percebe a diferença? Enquanto um tipo de sentimento cria laços de posse e controle, o outro cria vínculos de emancipação e liberdade. Yemanja é livre, é amor genuíno. Ama de forma tão sublime que, se preciso, sacrifica-se por seus filhos. Maria, mãe de Jesus, é sincretizada com Yemanjá. Amou Jesus de forma tão grandiosa que o deixou livre para seguir seu caminho como missionário do Pai Maior, mesmo sabendo de todo o sofrimento que essa escolha acarretaria. Jesus, quando morto na cruz, recebeu as lágrimas de Maria e o afago de seu manto. Maria, mesmo amando seu filho incondicionalmente, deixou-o livre para se manifestar como quisesse. Maria, regida pela força de Yemanjá, tinha maturidade para perceber que todo aquele que vive debaixo do sol não pertence a ninguém. Somos filhos do mundo.

Por fim, falemos de Nanã. Confesso que, até a noite de ontem, Nanã era um mistério para mim. Eu nunca entendi muito bem as virtudes encontradas em Nanã. Meu conhecimento, até então, era de que Nanã é o orixá mais velho das águas e, por isso, a mais sábia. Além disso, do pouco conhecimento que eu tinha, também sabia que Nanã representa as águas barrosas e seu ponto de força na natureza são os pântanos. Mas ontem, ao decidir que escreveria esse texto, passei um tempo meditando sobre Nanã e a ficha caiu. Desculpem-me todos os estudiosos da Umbanda, caso eu esteja falando bobagem, mas, a meu ver, Nanã não representa as águas barrosas em si, na verdade, ela representa as águas salobras. As águas salobras são águas que não são nem tão salgadas, nem tão doces. Logo, Nanã é o meio termo e isso significa que ela está entre Oxum e Yemanjá. BINGO! Na hora em que fui inspirado a ter esse raciocínio, tudo fez sentindo para mim. Como eu já disse, Nanã é conhecida por sua sabedoria e, por isso, é representada por uma imagem de uma velha anciã, pois os mais velhos possuem mais experiência e amadurecimento. Ok! Até aí tudo entendido, mas veio o primeiro questionamento da noite: “por que Nanã representa a sabedoria?” Foi aí que tudo se tornou muito lógico! Nanã fala sobre o Amor Sábio. Aquele que é o equilíbrio entre o Amor Próprio de Oxum e o Amor Livre de Yemanjá. Em tudo é necessário equilíbrio. É daí que vem a sabedoria de Nanã. Uma pessoa que tem Amor Próprio em excesso poderia cair no erro de tornar-se egoísta (Complexo de Narciso). Da mesma forma, uma pessoa que ama com liberdade excessiva, acabaria por se doar por inteiro até consumir-se, anulando-se. Faz sentido para você? Ah! E não para por aí. Depois de chegar a essas conclusões, fiz um segundo questionamento: “ok! Que Nanã é sábia e que representa as águas salobras (águas nem tão salgadas, nem tão doces) eu entendi, mas qual a relação disso com o fato de seu ponto de força na natureza serem os pântanos e águas barrosas?” A partir dessa reflexão, uma inspiração veio à mente: TEM TUDO A VER! As águas salobras são muito recorrentes em estuários. Sabe o que é um estuário? É um ambiente aquático de transição entre um rio e um mar. Essas zonas entremarés são geralmente constituídas de vazas (lama) ou ostreiras e outras zonas cobertas de sapais e pântanos. Percebe como tudo faz sentido agora? Nanã é o abraço das águas! O ponto de encontro entre Oxum e Yemanjá. Nanã representa a maturidade e sabedoria de amar a si mesmo com propriedade e, ao mesmo tempo, dosar esse amor para poder amar ao outro com liberdade. Nanã, a transição das águas.

Não é incrível? ÁGUA! Um elemento tão simples, mas que proporciona tanta reflexão. A água é um dos componentes mais representativos em nosso planeta, cerca de 65% de matéria do nosso corpo é composto de água. Além disso, 70% do planeta é coberto por rios e oceanos. É um elemento tão importante que somos envoltos por ele desde a nossa gestação, no ventre de nossa mãe.

Além do Amor Próprio, Amor Livre e Amor Sábio, a água tem mais a nos ensinar? Sim! A água transmuta várias das qualidades humanas que precisamos desenvolver, veja só.

O ciclo da água ensina sobre a impermanência das coisas. Nada no Universo é estático e muito menos dura para sempre. Precipitação, infiltração, transpiração e evaporação: essa dança de transformação que segue um movimento constante ensina que tudo caminha para a sua própria desconstrução. Isso nos faz lembrar de que não devemos ter apego às coisas ou pessoas, pois tudo é transitório e todo ciclo que tem um início, inevitavelmente, terá um fim.

Os rios ensinam sobre a flexibilidade em lidar com as turbulências do cotidiano. As águas são maleáveis, seguem um fluxo perfeito. Você já viu a água de um rio esperar uma pedra sair de seu caminho para continuar sua correnteza? Não. Isso não ocorre porque a água não entra em conflito com seu oponente, ela contorna os obstáculos e segue, apenas continua seu fluxo. A água nunca “age” contra a correnteza para tirar satisfação com uma pedra que estava em seu caminho. Ela é sábia. Repetindo: ela contorna os obstáculos e segue.

Água não tem forma, não tem padrão, não tem estereótipos que a limite. Se você colocá-la em um copo, será o copo. Se você colocá-la em uma jarra, será jarra. Se você colocá-la no mar, será mar, fundindo-se ao todo.

Vivemos em um mundo de três dimensões.  Três é o número de Pai, Filho e Espírito Santo que consagramos todos os dias. Três são os estados físicos da água (líquido, sólido e gasoso). Três são os estados químicos da água (salgada, doce e salobra). Três são as faces do amor que vêm da água (Amor Próprio, Amor Livre, Amor Sábio) e três são os orixás que regem esse elemento.

Que possamos ser mais como a água. Aliás, pensando bem, já somos.

 

Ora iê iê ô, Oxum, minha mãe de cabeça!

Odoiá, Yemanjá!

Saluba, Nanã!

 

Texto dedicado a todos os mentores espirituais que me regem e guiam, inspirando-me a escrever. Tenho plena certeza de que minhas mãos são apenas o instrumento do conhecimento impelido pelo Altíssimo. Um salve ao povo de Aruanda, em especial aos caboclos e pretos-velhos. Um salve a todo o povo das águas. Um Salve a Oxalá.