ATOTÔ, OMOLU!

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Banho de pipoca, que cura as chagas do corpo e da alma.

Meu velho Omolu, Atotô!

Atotô, Atotô, Obaluaiê!

 

Omolu, libertador de espíritos, orixá frequentemente associado à morte e ao cemitério e, talvez por isso, evitado e temido - da mesma forma que o assunto morte - por muitas pessoas que desconhecem sua forma de atuação. Essa vibração divina atua, em conjunto com Nanã Buruquê, na preservação da vida e na transição entre os planos material e espiritual.

A morte, nesse plano de vida em que nos encontramos, pode ser considerada como o mais forte e profundo processo de transmutação. Muito além de uma mera mudança de estado físico ou emocional, quando se morre para algo, há renascimento em direção ao oposto correspondente. Ou seria complementar? Quando o corpo físico morre, por exemplo, o espírito renasce para a “verdadeira vida”, volta para um plano em que se pode ter uma concepção ampliada sobre si mesmo, sobre a própria história como ser eterno, inserido num programa evolutivo.  

Esse processo de morrer, então, é revestido de um poderoso poder transmutador, na medida em que possibilita profunda reflexão sobre o sentido da vida, sobre como se escolheu viver a oportunidade da reencarnação e quais consequências se pôde colher das escolhas realizadas. Mesmo quem nunca pensou sobre o sentido da vida, quando precisa encarar a possibilidade da morte, seja a própria ou a de alguém próximo, em alguma medida, faz uma autoanálise. Por isso, a morte dói tanto. Há a dor da saudade, que, com o tempo, passa a ter contornos nostálgicos de boas lembranças. E há a dor advinda da percepção de que a vida passa tão rápido e tanta coisa poderia ser realizada, tanta oportunidade poderia ser melhor aproveitada... E se eu tivesse feito essa ou aquela escolha? E se tivesse me colocado no lugar do outro e relevado, perdoado? E se eu tivesse olhado mais para as qualidades das pessoas e relevado as dificuldades? E se...? E se...? Muitos “e ses” atormentam a mente quando se pensa na morte própria ou de alguém próximo, ou até mesmo quando se lida diretamente com a morte.

A dor da morte, sob esse aspecto, parece proveniente, então, de um certo remorso por não ter notado antes como a singela experiência de cada dia, no fim das contas, compõe um conjunto de escolhas, que geram consequências e falam tanto sobre quem somos, sobre as reais motivações de nossas atitudes. A morte ou sua possibilidade nos coloca frente a frente com a nossa realidade interna, com a alegria e satisfação por tudo que de bom foi construído e com a sombra que tanto evitamos olhar. Nesse momento, é natural que se pense nas oportunidades de perdoar e pedir desculpas que passaram despercebidas, nas oportunidades de ser útil e dar melhor direcionamento para a vida que não foram aproveitadas, nas possibilidades de se colocar no lugar do outro e compreender mais, julgar menos.

É duro perceber que essas reflexões poderiam ter sido realizadas ao longo da vida. Talvez não todas, porque cada um tem seu tempo de despertar a consciência. Aí, então, está instaurado um necessário e profundo processo de autoconhecimento. Inevitável. Agora, não há como fugir de si mesmo, se esconder em vícios, distrair a mente com banalidades. Um espelho é colocado à nossa frente e somos obrigados a olhar para ele, a lançarmos olhar sincero para nós. Quanta vida há na morte! A morte, então, paradoxalmente, nos deixa mais vivos do que nunca para a vida que levamos. Tem algo mais transmutador, libertador?

Omolu, vibração intensa de transmutação, não poderia ter melhor associação do que a morte. Seu magnetismo atua no corpo físico e no espírito, no processo de encarne e desencarne, bem como na busca de cura e equilíbrio para lidar com a doença.

No processo de transição entre os planos espiritual e material, a atuação energética desse orixá, na reencarnação, ocorre diretamente na construção do corpo físico que comportará o espírito, na adaptação do perispírito – envoltório do espírito – para acoplar-se ao novo corpo, que, ao constituir instrumento de aprendizado para a vivência das experiências necessárias ao crescimento do espírito reencarnante, deverá ser adequado às suas necessidades. Enquanto isso, Nanã Buruquê atua equilibrando o emocional e promovendo o véu do esquecimento1.

No desencarne, o magnetismo de Omolu dá o direcionamento adequado a cada espírito, de acordo com o estado em que chega ao plano espiritual, de forma que possa ter condições de dar sequência ao processo evolutivo. Por essa atuação, de auxiliar e encaminhar a todos sem distinção, é chamado de orixá da misericórdia. Nessa recepção do espírito recém-chegado ao plano espiritual, também há atuação conjunta de Omolu com Nanã Buruquê. Antes de Omolu dar o direcionamento, o magnetismo decantador e transmutador de Nanã auxilia na limpeza dos corpos astrais e possibilita progressivo retorno da consciência do espírito para sua realidade eterna, retirando o véu do esquecimento.

Desse modo, podemos afirmar que o magnetismo de Omolu, juntamente com a vibração de Nanã Buruquê, atua como agente direto do cumprimento do carma individual. E essa função não se dá apenas no processo de encarne e desencarne de espíritos, mas também em espíritos encarnados, no processo de alívio e cura de doenças.

Novamente, a essência transmutadora de Omolu, como manifestação da misericórdia divina, envolve os seres, por mecanismos que levam à profunda reflexão sobre o sentido da vida, em verdadeiro processo libertador de consciência. Mas o que é a doença? Quando o corpo adoece, há muito tempo as mazelas já estavam instaladas no espírito, seja em decorrência de pensamentos e atitudes cultivados nessa vida ou em outras existências. A doença, sob essa perspectiva, como sempre diz vovó Benedita do Congo, é o processo em que se utiliza a matéria (o corpo) para expurgar as energias deletérias acumuladas no espírito ao longo da caminhada.   

A vibração de Omolu auxilia, então, de acordo com a possibilidade de aprendizado de cada um, na transmutação energética necessária, para que o estado de equilíbrio se instaure, proporcionando harmonioso funcionamento do corpo, da mente e do espírito. Quando, por nossas limitações ou necessidades maiores de aprendizado, ainda não temos condições de ampliar nossas consciências e rever hábitos, atitudes e pensamentos, para que a cura se instale em sua integralidade, essa energia transmutadora de Omolu, ainda assim atua, atenuando dores e evitando agravamento de quadros que poderiam ser bem piores.

Assim como Nanã, a atuação energética de Omolu está ligada ao elemento terra, que também nos remete à energia de transmutação. Notem a simbologia disso: o local tido com ponto de força de Omolu é o cemitério, também conhecido como calunga pequena. No cemitério, os corpos são colocados embaixo da terra, após o desencarne. Embaixo da terra, a matéria se decompõe na matéria e a reintegra; e o espírito se liberta, após vivenciar a ação modificadora da passagem pela carne.

Por essas características da energia de Omolu, o elemento magístico mais popular a ele relacionado e muito utilizado nas oferendas feitas a esse orixá é a pipoca, geralmente estourada junto com areia. A pipoca representa a transformação do milho estourado e a areia remete ao elemento terra e a sua força transmutadora.

Aproveitemos essa maravilhosa energia para nos fortalecermos no processo de aprendizado e reforma íntima, para modificarmos nosso interior! Que as dificuldades que encontramos em nossa passagem pela carne sejam elementos ativadores de nosso florescimento! Banhemo-nos nessa energia curativa e restauradora e rendamos graças à misericórdia divina, sempre pronta a nos amparar e sustentar na caminhada!

Atotô, Omolu!  

 

 

Nota: (1) Véu do esquecimento: é um esquecimento temporário das memórias relativas às vidas anteriores, pelo qual passam todos os espíritos antes de reencarnar.