A QUESTÃO DA POLARIDADE

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Ao iniciarmos os estudos sobre Umbanda, comumente encontramos conceitos e explicações sobre entidades, guias e orixás que remetem à polaridade. Por exemplo: aprendemos que todos os orixás possuem seus pares energéticos, como Egunitá e Xangô, Yansã e Ogum, Obá e Oxóssi, Oyá e Oxalá, Yemanjá e Omulu, etc; entendemos que o orixá Exu possui a forma masculina de manifestação, que é exu, e a forma feminina, pombagira; entre tantas outras questões que são explicadas a partir da ideia de polaridade ou de gênero. Por isso, antes de pensarmos sobre polaridade, é importante entendermos a diferença entre polaridade e gênero. 

Polaridade é dividida em dois fatores complementares: positivo e negativo. Já o gênero divide-se em duas formas de manifestação: feminino e masculino. Gênero trata-se de manifestação, ou seja, está no plano material e, por isso, é definido (masculino ou feminino, nunca ambos ao mesmo tempo, e manifesta-se nos humanos como o sexo biológico, os órgãos reprodutores) e temporário (varia de acordo com as múltiplas encarnações, hora vivenciamos a experiência de ser mulher, hora de ser homem). 

A polaridade, por outro lado, não é manifestação, e sim aquilo que precede a manifestação material, é energia que se movimenta e se aglomera, formando a matéria. Diferentemente do gênero, a polaridade não é definida e nem temporária: todas as coisas criadas (seres humanos e demais elementos da natureza) possuem as duas polaridades e possuirão sempre as potências negativas e positivas em constante movimentação e busca por equilíbrio. Para que essa ideia fique ainda mais clara, podemos substituir as palavras negativo e positivo por passivo e ativo. Isso porque, assim, evitamos associar negativo com algo ruim e positivo com algo bom. Passividade e atividade possuem funções distintas e momentos em que serão benéficas ou prejudiciais.

Comumente, compreendemos passividade como um aspecto ruim, fraco e inferior. Entretanto, o poder da passividade é essencial para a realização de qualquer atividade ou trabalho. Se nos mantivéssemos apenas presos à ação, seríamos sempre impulsivos e irreflexivos, pois é a passividade que dá à mente tempo para refletir, planejar e aprender com ações e acontecimentos. O distanciamento da ação e do movimento externo é o melhor caminho para conseguirmos acessar nossa consciência, nossa intuição. A meditação, por exemplo, é um exercício de passividade que produz benefícios incontáveis à saúde física e espiritual.

Há outra relação que estabelecemos instintivamente: entre passivo e feminino, e ativo e masculino. De fato, biologicamente, a passividade do óvulo possibilita a aproximação do espermatozoide, que se movimenta rapidamente. Essa é uma relação perfeita de atração entre as energias passiva e ativa. Porém, nos enganamos quando julgamos que a atividade é atributo exclusivo dos homens e a passividade das mulheres, pois, como já citamos, as duas polaridades encontram-se sempre juntas em todas as manifestações da Criação; além disso, tratam-se da mesma coisa e não de coisas distintas: polaridade é como a temperatura, não importa se há 40º positivos ou 40º negativos, os graus sempre serão a medida do calor, variando apenas em mais ou menos quente, pontos distintos de um mesmo fator.

Assim, podemos compreender a polaridade como a energia que faz com que algo se movimente (ativa) ou permaneça inerte (passiva). Podemos associá-la a tudo que está ao nosso redor, aos movimentos do nosso corpo e também à esfera espiritual. 

Em nível orgânico, podemos perceber a atuação das energias passivas e ativas como, por exemplo, nos intestinos, nos quais os movimentos peristálticos saudáveis (pol. ativa) produzem a eliminação das fezes e, quando paralisados, ocorre a constipação (pol. passiva); no estômago, que precisa produzir suco gástrico para digerir alimentos (pol. ativa) e precisa parar a produção na ausência do alimento (pol. passiva), do contrário surgem gastrites e úlceras. 

No campo espiritual, a troca de fluidos energéticos, as relações de simbiose e afinidade, as influências espirituais, tudo isso ocorre por meio da sintonia entre os nossos centros de força, chakras, e as energias externas. Nossos chakras podem estar desvitalizados e girando lentamente (passivos), devido à drenagem de energia vital ocasionada por obsessões; superexcitados e girando rápido demais (ativos), devido a influenciações também obsessivas que estimulam vícios, raiva, violência, etc; ou ainda em equilíbrio, pulsando e fluindo em movimentos harmônicos resultantes de hábitos moderados, prece, bons sentimentos etc. Essa noção de equilíbrio e movimento constante é bastante valiosa, em especial para a Umbanda.

A Umbanda sagrada cultua Oxumaré, “Senhor do Movimento”, orixá que tem como atributo principal a instabilidade, a mudança contínua; seu arquétipo é representado por um ser que é mulher em um período do ano e homem no outro (note que cada gênero tem seu momento, nunca estão simultaneamente na mesma criatura). Isso se explica pela continuidade na mudança de polaridade: à medida que vai se acumulando a energia da polaridade passiva, vai se perdendo a da polaridade ativa, até que o ser torna-se do gênero feminino, momento em que, ininterruptamente, passa a atrair a polaridade ativa e perder naturalmente a polaridade passiva, tornando-se homem. Esse movimento de transformação, fundido em Oxumaré, ocorre incessantemente em todas as coisas da criação. É devido a ele que nos transformamos no produto de nossas escolhas, nossos sentimentos e nossas vontades. 

Compreender polaridade significa compreender que tudo tem dois lados, tudo é inteiro e é também incompleto, buscando o aprimoramento em ciclos contínuos de evolução.